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Sobre Anatta (Não-Eu), Vacuidade, Maha e Ordinário, e a Perfeição Espontânea

 

Veja também: As Sete Etapas de Iluminação de Thusness/PasserBy

 

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Veja também:

  • Dois Tipos de Contemplação Não-Dual após EU SOU (I AM)
  • Vazio +A e -A

 

(Última atualização: 14 de março de 2009)

 

Artigo escrito por: Thusness/PasserBy

 

Pergunto-me por que, mas recentemente o tema do anatta (não-eu) vem aparecendo repetidamente em fóruns. Talvez o “yuan” (condição) tenha surgido. :) Vou apenas anotar alguns pensamentos sobre minhas experiências de “não-eu”. Um compartilhamento casual, nada autoritativo.

 

As duas estrofes abaixo foram fundamentais para me conduzirem à experiência direta do não-eu. Embora pareçam transmitir a mesma coisa sobre anatta, meditar nessas duas estrofes pode gerar dois insights experienciados muito diferentes – um sobre o aspecto da vacuidade e outro sobre o aspecto da luminosidade não-dual. Os insights que surgem dessas experiências são muito esclarecedores, pois contradizem bastante nossa compreensão comum do que é a consciência.

 

Há pensamento, mas não há pensador

Há audição, mas não há aquele que ouve

Há visão, mas não há aquele que vê

 

No pensar, apenas pensamentos

Na audição, apenas sons

Na visão, apenas formas, contornos e cores.

 

Antes de prosseguir, é absolutamente importante saber que não há maneira de compreender corretamente essas estrofes por inferência, dedução lógica ou indução. Não que haja algo místico ou transcendental nelas, mas simplesmente porque o tagarelar mental é uma “abordagem errada”. A técnica correta é através do vipáśyanā (vipassana) ou qualquer modo de observação direta e atenta que permita ver as coisas como elas são. Apenas uma nota casual: esse modo de conhecer torna-se natural quando o insight não-dual amadurece; antes disso, pode exigir bastante “esforço”.

 

Sobre a primeira estrofe

 

As duas experiências mais óbvias desse vislumbre inicial da primeira estrofe são a ausência de agência (não existe quem faça) e o insight direto da inexistência de um agente. Essas duas experiências são chave para minha fase 5 das 7 fases de insights.

  1. A ausência de agente que vincule e coordene as experiências.

Sem o “eu” que vincula, os fenômenos (pensamentos, sons, sensações etc.) aparecem como bolhas, flutuando e manifestando-se de forma livre, espontânea e ilimitada. Com a ausência de agência surge também um profundo senso de liberdade e transparência. Por mais irônico que pareça, isso é verdadeiro na experiência. Não teremos a compreensão correta enquanto mantivermos firmemente a visão “inerente”. É impressionante como essa visão impede que vejamos a liberdade como ausência de agência, interdependência, interconexão, luminosidade e presença não-dual.

  1. O insight direto da inexistência de um agente.

Neste caso, há o reconhecimento direto de que “não há agente”. Apenas um pensamento e depois outro pensamento. Assim, é sempre o pensamento observando o pensamento, e não um observador observando o pensamento. Contudo, o cerne dessa realização tende para uma experiência libertadora espontânea e um vislumbre vago da natureza vazia dos fenômenos – isto é, os fenômenos transitórios sendo como bolhas, efêmeros, nada substanciais ou sólidos. Nessa fase, não devemos entender que experimentamos completamente a natureza “vazia” dos fenômenos e da consciência, embora haja a tentação de pensar que sim. :)

 

Dependendo das condições de cada indivíduo, pode não ser óbvio que é “sempre pensamento observando pensamento e não um observador observando pensamento”, ou que “o observador é aquele pensamento”. Como esse é o insight fundamental e um passo que não pode estar errado no caminho da libertação, não posso deixar de dizer, com um tom um tanto desrespeitoso:

 

Aos mestres que ensinaram:

“Deixe os pensamentos surgirem e passarem,

Veja o espelho de fundo como perfeito e permaneça imperturbável.”

Com todo respeito, eles apenas “falaram bonito”, mas estão iludidos.

 

Em vez disso:

 

Veja que não há ninguém por trás dos pensamentos.

Primeiro, um pensamento, depois outro.

Com o insight aprofundando-se, revelará-se mais tarde:

Sempre apenas isto, Um Pensamento!

Não-surgido, luminoso e vazio!

 

E esse é todo o propósito do anatta: ver completamente que esse pano de fundo não existe de fato. O que existe é um fluxo, ação ou karma. Não há fazedor nem algo sendo feito, há apenas fazer; não há meditador nem meditação, apenas meditando. Do ponto de vista do “deixar ir”, “um observador observando o pensamento” cria a impressão de que um observador permite que os pensamentos surjam e passem mantendo-se imperturbável. Isso é uma ilusão; é “apego” disfarçado de “deixar ir”. Quando percebemos que não há pano de fundo desde o início, a realidade apresenta-se como um único grande deixar ir. Com a prática, a “intenção” diminui conforme o insight amadurece e o “fazer” é gradualmente vivenciado como mero acontecimento espontâneo, como se o universo estivesse fazendo o trabalho. Com algumas indicações de “originação dependente”, podemos então penetrar mais e ver esse acontecer como mera expressão de tudo interagindo com tudo, vindo à existência. De fato, se não reificarmos “universo”, é apenas isso – uma expressão de surgimento interdependente que está exatamente certo onde quer que seja.

 

Compreendendo isso, a prática é simplesmente abrir-se ao que quer que seja.

Pois esse mero acontecer está justo onde e quando deve estar.

Ainda que nenhum lugar possa ser chamado lar, em toda parte é lar.

 

Quando a experiência amadurece na prática da grande facilidade,

A vivência é Maha! Grandiosa, miraculosa e bem-aventurada.

Em atividades mundanas de ver, comer e saborear,

Quando expresso poeticamente, é como se todo o universo meditasse.

 

Tudo o que é dito e expresso são realmente diferentes sabores

Desse tudo-de-tudo surgindo em dependência,

Como este momento de cintilação vívida.

 

Já então fica claro que o fenômeno transitório está acontecendo de modo perfeito; desenrolando o que precisa ser desenrolado, manifestando o que precisa ser manifestado e cessando quando é hora de ir. Não há problema com esse acontecer transitório; o único problema é ter um “espelho extra”, uma reificação devida ao poder da mente de abstrair. O espelho não é perfeito; é o acontecer que é perfeito. O espelho parece perfeito apenas a uma visão dualista e inerente.

 

Nossa visão inerente e dualista, profundamente arraigada, personificou muito sutilmente e sem sabermos o “aspecto luminoso” como se fosse o observador, descartando o “aspecto de vacuidade” como sendo o fenômeno transitório. O grande desafio da prática é então ver claramente que luminosidade e vacuidade são uma e inseparáveis, jamais se separaram e jamais poderão separar-se.

 

Sobre a segunda estrofe

 

Na segunda estrofe, o foco é a vividez e pureza dos fenômenos transitórios. Pensamentos, sons e tudo que é transitório são indistinguíveis da Consciência. Não há divisão experimentador–experiência, apenas uma experiência espontânea sem costuras surgindo como pensador/pensamentos, ouvinte/sons, sentidor/sensações e assim por diante. Ao ouvir, ouvinte e som são indistinguivelmente um. Para quem está familiarizado com a experiência “EU SOU” (I AM), aquele puro senso de existência – aquela poderosa experiência de presença que faz sentir-se tão real – é inesquecível. Quando o pano de fundo desaparece, todos os fenômenos no primeiro plano revelam-se como Presença. É como se houvesse naturalmente “vipashyana” por toda parte, ou simplesmente, tudo estivesse nu na consciência. Do zumbido do computador ao vibrar do trem em movimento, da sensação dos pés tocando o chão, todas essas experiências são cristalinas, não menos “EU SOU” do que o próprio “EU SOU”. A Presença continua plenamente presente; nada é negado. :)

 

A divisão sujeito-objeto é apenas uma suposição.

Portanto, alguém que abandona algo e algo a ser abandonado é uma ilusão.

Quando o eu se torna cada vez mais transparente,

Igualmente os fenômenos tornam-se cada vez mais luminosos.

Na total transparência, todo acontecer é límpido e vívido.

Evidência por toda parte, vivacidade em todo lugar!

 

Nesse ponto fica evidente que somente a visão dualista sustentada profundamente obscurece nosso insight desse fato experiencial. Na experiência real há apenas a clareza cristalina dos fenômenos manifestando-se. Com o amadurecer dessa experiência, mente-corpo dissolvem-se em mera luminosidade não-dual, e todos os fenômenos são compreendidos experiencialmente como manifestação dessa presença luminosa não-dual – o insight chave que leva à realização de que “Tudo é Mente”.

 

Após isso, não ficar demasiado impressionado ou fazer proclamações além do necessário; antes, investiga-se mais. Será que essa luminosidade não-dual exibe alguma característica de natureza-própria (svabhāva) que seja independente, imutável e permanente? Um praticante ainda pode ficar preso por bastante tempo solidificando a presença não-dual sem perceber. Isto corresponde a deixar marcas do “Um espelho”, como descrito na etapa 4 das minhas 7 fases de insight. Embora a experiência seja não-dual, o insight de vacuidade ainda não está presente. Embora o vínculo dualista tenha afrouxado o bastante, a visão “inerente” permanece forte.

 

Quando o “sujeito” se vai, a experiência torna-se não-dual mas esquecemos do “objeto”. Quando o objeto é ainda esvaziado, vemos o Dharmakāya. Veja claramente que, no caso de um “sujeito” primeiramente penetrado, trata-se de um mero rótulo reunindo os cinco agregados; mas para o próximo nível a ser negado, é a própria Presença que estamos esvaziando – não um rótulo, mas a própria presença que é de natureza não-dual.

 

Para praticantes budistas sinceros que amadureceram o insight não-dual, eles podem perguntar-se por que Buda deu tanta ênfase à originação dependente se a presença não-dual fosse final. A experiência ainda soa Vedântica, mais “Brahman” que “Śūnyatā”. Essa “solidez da presença não-dual” precisa ser quebrada com a ajuda da originação dependente e da vacuidade. Compreendendo isso, o praticante pode então progredir para entender a natureza vazia (originada em dependência) da presença não-dual. É um refinamento adicional da experiência de anatta conforme a primeira estrofe.

 

Quanto àqueles praticantes de “EU SOU”, é muito comum, após o insight não-dual, permanecer na presença não-dual. Eles encontram deleite em “cortar lenha, carregar água” e “a primavera chega, a grama cresce por si mesma”. Não há muito o que enfatizar; a experiência realmente parece final. Espera-se que surja “yuan” (condição) para que esses praticantes vejam essa marca sutil que impede a visão.

 

Sobre Vacuidade

 

Se observarmos um pensamento e perguntarmos onde surge o pensamento, como surge, como é o “pensamento”, o próprio “pensamento” revelará que sua natureza é vazia – vividamente presente e, contudo, completamente ilocalizável. É muito importante não inferir, nem pensar ou conceitualizar, mas sentir com todo o ser essa “inapreensibilidade” e “ilocalizabilidade”. Parece residir “em algum lugar”, mas não há como localizá-lo. É apenas uma impressão de estar “ali”, mas nunca “ali”. De modo semelhante, “aqui-idade” e “agora-idade” são meras impressões formadas por sensações, agregados de causas e condições, nada inerentemente “ali”; igualmente vazias como a “eu-idade”.

 

Essa natureza vazia, inapreensível e ilocalizável, não é peculiar apenas ao “pensamento”. Todas as experiências ou sensações são assim – vividamente presentes e, ainda, insubstanciais, inapreensíveis, espontâneas, ilocalizáveis.

 

Se observarmos uma flor vermelha muito vívida e clara bem diante de nós, a “vermelhidão” só parece “pertencer” à flor, mas na realidade não é assim. A visão do vermelho não surge em todas as espécies animais (cães não percebem cores), nem a “vermelhidão” é um atributo inerente da mente. Se tivéssemos uma “visão quântica” para olhar a estrutura atômica, também não haveria atributo de “vermelhidão” em parte alguma, apenas quase completo espaço/vazio sem formas e contornos visíveis. Quaisquer aparências surgem em dependência, e portanto são vazias de existência inerente ou atributos fixos – meramente luminosas e vazias, simples aparências sem existência objetiva/intrínseca.

 

De modo semelhante, ao ficar diante de uma fogueira, todo o fenômeno “fogo”, o calor ardente, toda a sensação de “quente” que é tão vividamente presente e parece tão real, quando examinada também não está inerentemente “ali” – apenas se manifesta em dependência sempre que as condições estão presentes. É impressionante como as visões dualistas e inerentes aprisionam a experiência sem costura numa construção de quem-onde-quando.

 

Todas as experiências são vazias. São como flores no céu, como pinturas na superfície de um lago. Não há como apontar para um momento de experiência e dizer isto é “dentro” e aquilo é “fora”. Todo “dentro” é como “fora”; para a consciência, a experiência sem costura é tudo o que há. Não é o espelho nem o lago que importam, mas o processo fenomenal, ilusório, da tinta cintilando na superfície do lago; como uma ilusão mas não ilusão, como um sonho mas não sonho. Este é o chão de todas as experiências.

 

Ainda assim, essa natureza “inapreensível e ilocalizável” não é tudo; há também este Maha, esta grandeza sem limites de “interconexão”. Quando alguém bate num sino, a pessoa, a vara, o sino, a vibração do ar, os ouvidos e então o som surgindo magicamente – “Toonnn… ressoando…” – tudo é um único acontecer sem costura, uma experiência única. Ao respirar, é apenas esta respiração inteira; são todas as causas e condições reunindo-se para dar origem a toda a sensação da respiração, como se o universo inteiro estivesse respirando. A importância dessa experiência Maha não está nas palavras; em minha opinião, sem essa experiência não há verdadeira vivência de “interconexão” e a presença não-dual fica incompleta.

 

A experiência de nossa natureza vazia é muito diferente da unidade não-dual. “Distância”, por exemplo, é superada na unidade não-dual vendo-se o aspecto ilusório da divisão sujeito/objeto, resultando numa única presença não-dual. Já na experiência da Vacuidade, a barreira rompe-se pela natureza vazia inapreensível e ilocalizável.

 

Não há necessidade de “onde-lugar” nem “quando-tempo” nem “quem-eu” quando penetramos profundamente nessa natureza. Ao ouvir um som, o som não está “aqui dentro” nem “lá fora”; está onde está e… desapareceu! Todos os centros e pontos de referência dissolvem-se com a sabedoria de que a manifestação origina-se dependentemente e, portanto, é vazia. A experiência gera uma sensação de “sempre certo onde e quando for”. Uma sensação de lar em toda parte, embora lugar nenhum possa ser chamado lar.

 

Experienciando a natureza vazia da presença, o praticante sincero torna-se claro de que, de fato, a presença não-dual está deixando uma marca sutil; vendo sua natureza como vazia, a última marca que solidifica as experiências dissolve-se. Sente-se fresco, pois a presença torna-se mais presente e sem esforço. Então passamos de “vívida presença não-dual” para “embora vívida e não-dualmente presente, não é nada real, é vazia!”.

 

Sobre Maha e o Ordinário

 

A experiência de Maha pode soar como se alguém estivesse buscando algum tipo de experiência e parecer contradizer o “caráter ordinário da iluminação” promovido no Zen. Isso não é verdade; na realidade, sem essa experiência, o não-dual fica incompleto. Esta seção não se trata de Maha como um estágio a ser alcançado, mas de ver que Sunyata é Maha por natureza. Em Maha, não se sente o self, sente-se o universo; não se sente “Brahman”, mas “interconexão”; não se sente “desamparo” devido à “dependência e interconexão”, mas grandeza sem fronteiras, espontânea e maravilhosa. Agora voltemos ao “ordinário”.

 

O ordinário sempre foi o ponto forte do Taoísmo. No Zen vemos também a importância disso, retratada em modelos de iluminação como os Cinco Graus de Tozan e os Dez Quadros da Condução do Boi. Mas o ordinário só deve ser entendido como o fato de que o não-dual e o mundo Maha de talidade nada têm além disso. Não há reino além para chegar, jamais separado do nosso mundo cotidiano; antes, é trazer essa experiência primordial, original e intocada de não-dual e Maha às atividades mais banais. Se essa experiência não for encontrada nas atividades mais comuns e ordinárias, então os praticantes não amadureceram seus entendimentos e práticas.

 

Antes, a experiência Maha era sempre ocorrência rara no estado natural e era tratada como tendência passageira que vem e vai. Induzir a experiência frequentemente envolvia concentração em repetir alguma tarefa por curto período, por exemplo:

  • Se inspirarmos e expirarmos, inspirar e expirar… até haver simplesmente toda a sensação da respiração, apenas respiração como todas as causas e condições vindo a este momento de manifestação.
  • Se focarmos na sensação do pisar, a sensação de dureza, apenas a sensação de dureza, até haver simplesmente essa sensação inteira “dureza” quando o pé toca o chão, apenas essa “dureza” como todas as causas e condições vindo a este momento de manifestação.
  • Se focarmos em ouvir alguém bater num sino – a vara, o sino, a vibração do ar, os ouvidos – todos se reunindo para essa sensação de som surgir, teremos a experiência Maha.

 

Contudo, desde que se incorporou o ensinamento da originação dependente à presença não-dual, ao longo dos anos tornou-se mais “acessível”, mas nunca se entendeu isso como estado-fundamento. Parece haver uma relação previsível entre ver o surgimento interdependente e a vacuidade sobre a experiência da presença não-dual.

 

Há uma semana, a experiência clara de Maha emergiu e tornou-se bastante sem esforço, e ao mesmo tempo houve a realização direta de que também é um estado natural. Em Sunyata, Maha é natural e deve ser totalmente integrado ao caminho de experienciar o que quer que surja. No entanto, Maha como estado-fundamento requer o amadurecimento da experiência não-dual; não se pode sentir totalmente como a interconexão de tudo vindo espontaneamente a ser como este momento de manifestação vívida com uma mente dividida.

 

O universo é este pensamento que surge.

O universo é este som que surge.

Apenas este magnífico surgir!

É Tao.

Homenagem a todo surgir.

 

Sobre a Perfeição Espontânea

 

Por fim, quando essas duas experiências se inter-penetram, o que realmente se requer é simplesmente experienciar o que quer que surja de forma aberta e sem reservas. Pode soar simples, mas não subestime esse caminho simples; mesmo vidas em kalpas de prática não podem tocar a profundidade de sua profundeza.

 

Na verdade, em todas as subseções — “Sobre a Estrofe Um”, “Sobre a Estrofe Dois”, “Sobre a Vacuidade” — já há certo ênfase no modo natural. A respeito desse modo natural, devo dizer que presença espontânea e experienciar o que quer que surja aberta, sem reservas e destemidamente não é “caminho” de nenhuma tradição ou religião — seja Zen, Mahamudra, Dzogchen, Advaita, Taoísmo ou Budismo. De fato, o modo natural é o “caminho” do Tao, mas o Taoísmo não pode reivindicar monopólio sobre ele simplesmente por ter história mais longa. Minha experiência é que qualquer praticante sincero, depois de amadurecer os insights não-duais, acabará chegando a isso automática e naturalmente. Está no sangue: não há outra via senão a via natural.

 

Dito isso, o modo natural e espontâneo é frequentemente mal-representado. Não deve ser tomado como se não houvesse necessidade de fazer nada ou que a prática fosse desnecessária. Antes, trata-se do insight mais profundo de um praticante que, após ciclos e ciclos refinando seus insights sobre anatta, vacuidade e originação dependente, de repente percebe que anatta é um selo e que luminosidade não-dual e vacuidade sempre foram o “solo” de todas as experiências. A prática então desloca-se do “modo concentrativo” para o “modo sem esforço”, e para isso requer que os insights de não-dual e vacuidade permeiem completamente todo o nosso ser, tal como “visões dualistas e inerentes” invadiram a consciência.

 

Em todo caso, deve-se cuidar para não transformar nossa natureza vazia e luminosa em uma essência metafísica. Terminarei com um comentário que escrevi em outro blog, Luminous Emptiness, pois resume bem o que tenho escrito.

 

O grau de “não-constrição”

É o grau de quão sem reservas e destemidamente nos abrimos ao que é.

Pois o que quer que surja é mente, sempre visto, ouvido, sentido e experimentado.

O que não é visto, não é ouvido e não é experimentado

É nossa ideia conceitual do que é mente.

 

Sempre que objetificamos o “brilho, a pureza” transformando-o numa entidade sem forma,

Ele torna-se objeto de apego que impede ver as “formas”,

A textura e o tecido da consciência.

A tendência de objetificar é sutil:

largamos a “eu-idade”, mas agarramos-nos, sem perceber, a “agora-idade” e “aqui-idade”.

O que quer que surja origina-se em dependência, dispensando quem, onde e quando.

 

Todas as experiências são iguais, luminosas e vazias de natureza própria.

Embora vazias, isso de modo algum nega sua vividez luminosa.

 

Libertação é experienciar a mente como ela é.

Auto-Libertação é o insight completo de que essa libertação é sempre, já é;

Espontaneamente presente, naturalmente perfeita!

 

P.S.

Não devemos tratar o insight da vacuidade como “superior” ao da luminosidade não-dual. São apenas insights diferentes que surgem devido a condições distintas. Para alguns praticantes, o insight de nossa natureza vazia aparece antes do da luminosidade não-dual.

 

Para uma compreensão conceitual mais detalhada da Vacuidade, leia o artigo “Non-Dual Emptiness”, de Dr. Greg Goode.

Atualização 2020 por Soh

 

Aqui estão algumas citações relacionadas a este artigo.

 

“Para mim, a estrofe de anatta ainda é o melhor gatilho… lol. Ela nos permite ver claramente que anatta é o estado natural. Sempre foi e sem esforço. Ela mostra ‘como a ignorância’ cega e cria equívocos de separação e substancialidade daquilo que chamamos ‘coisas e fenômenos’.

 

E perceber a visão é tudo apontar para essa verdade de anatta de cima a baixo, de como a mente confunde e toma a existência convencional como verdadeira e real. Originação dependente e vacuidade são a jangada que equilibra e neutraliza todas as convenções fabricadas pela mente, para que a mente possa repousar em natural facilidade e equilíbrio, vendo todo o surgir como perfeitamente espontâneo.” – John Tan, 2019

 

“O insight de que ‘anatta’ é um selo e não um estágio deve surgir para avançar ao modo ‘sem esforço’. Isto é, anatta é o solo de todas as experiências e sempre foi assim, sem Eu. No ver, sempre apenas o visto; no ouvir, sempre apenas som; e no pensar, sempre apenas pensamentos. Nenhum esforço requerido e nunca houve um ‘Eu’.” – John Tan, 2009

 

“Você precisa contemplar anatta corretamente conforme mencionado em http://awakeningtoreality.blogspot.com/2019/09/robert-dominiks-breakthrough.html (vendo anatta como selo do dharma em vez de apenas um estado de mente vazia).” – Soh, 2020

 

“Sem a ruptura total de ambas as estrofes de anatta 1 e 2, não há realização clara de anatta propriamente dita na definição AtR. Embora a segunda fosse mais clara para mim no rompimento inicial em outubro de 2010, a primeira estrofe logo se tornou mais clara nos meses seguintes, dissolvendo ainda mais o enraizamento, incluindo um enraizamento muito sutil a um Aqui/Agora bem como qualquer referência sutil remanescente à Mente (embora isso já estivesse em grande parte dissolvido, uma tendência muito sutil e não vista foi vista e dissolvida depois).” – Soh, 2020

 

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TD Unmanifest

3 h ·

 

Descobri em minha prática que esvaziar o sujeito é “mais fácil” do que esvaziar o objeto. Portanto, na linguagem do AtR, trabalho mais a primeira estrofe do que a segunda.

O esvaziamento dos agregados e dhatus tem sido muito útil para aprofundar o insight na realização de anatta. Trabalho para arrancar propensões kármicas no eu residual — “eu, mim, meu”.

Contudo, tenho curiosidade sobre práticas que ajudem na mesma espécie de penetração do objeto, relacionadas à segunda estrofe e à Presença, à O.D. (originação dependente) e à vacuidade até a exertação total.

 

4 comentários

Comentários

 

Soh Wei Yu 🔰

Ambas as estrofes de anatta falam de anatta, não da vacuidade dos agregados.

1 👍

TD Unmanifest

Ah, entendi erroneamente que esta seção relacionada à segunda estrofe se focava em agregados e objetos:

 

“Quando o ‘sujeito’ se vai, a experiência torna-se não-dual, mas esquecemos do ‘objeto’. Quando o objeto é ainda mais esvaziado, vemos o Dharmakaya. Veja claramente que, no caso de um ‘sujeito’ primeiro penetrado, trata-se de um mero rótulo que reúne os 5 agregados; mas para o nível seguinte a ser negado, é a própria Presença que estamos esvaziando — não um rótulo, mas a própria presença de natureza não-dual.”

 

Isso avançou muito bem em aprofundar anatta, mas eu contemplava da perspectiva de objetos versus sujeito. Assim, self/Self continua sem ser encontrado — e sempre já é assim. Objetos da consciência podem parecer “reais”, enquanto o self claramente não é, apenas agregados, etc.

 

· Responder · 1 h

Soh Wei Yu

Isso é um lembrete para aplicar o insight do não-eu a todos os fenômenos.

As duas estrofes miram a ilusão de self/Self. Mas depois deve-se aplicá-las a todos os fenômenos para realizar a vacuidade dupla. Como o insight de “não há vento além do soprar” (https://awakeningtoreality.blogspot.com/2018/08/the-wind-is-blowing.html) deve então aplicar-se a todos os fenômenos, inclusive movimento, etc.

 

Em 2011:

 

“Estou dizendo que a primeira e a segunda estrofe devem andar de mãos dadas para haver um insight real de anatta mesmo de início. É preciso ter esses 2 aspectos de insight em anatta. Então, o que é anatta? Significa que, ao penetrar a ausência de agente, você está efetivamente desenvolvendo insight direto. Isso não reifica nada extra. É insight direto na talidade. Assim, quando se vê ‘Self’, não há nada além de agregados. Quando se vê ‘tempo’, não há nada além de nuvens mudando, chuva… quando se vê ‘corpo’, vê-se sensação mudando. Quando se ouve som, vê-se a O.D. [originação dependente], então percebe-se como as duas vacuidades são simplesmente um insight e por que isso leva a 一合相 (yi he xiang; uma totalidade/compósito de aparência). Se não houver insight mas apego às palavras, perde-se a essência. Ou seja, obter insight das 2 estrofes não é pensar apenas no ‘Self’.” — John Tan, 2011

 

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Soh Wei Yu 🔰

[22:03, 27/7/2020] John Tan: Para mim, sujeito-ação-objeto é apenas uma estrutura para articular e dar sentido ao mundo. Não vejo dessa maneira. Vejo como exertação total de condições-aparência, não aparência e condições.

[22:10, 27/7/2020] Soh Wei Yu: Você está se referindo ao TD Unmanifest?

[22:47, 27/7/2020] John Tan: Sim.

[22:49, 27/7/2020] John Tan: Se você vê objeto separado de sujeito ou fenômeno à parte da mente, não importa quanto desconstrua, será apenas conhecimento; você não terá gosto direto de nada.

[22:52, 27/7/2020] Soh Wei Yu: Mas nem todas as condições aparecem; algumas são apenas intuídas ou inferidas mesmo quando invisíveis… então são meramente convencionais.

[22:53, 27/7/2020] John Tan: Claro, não há como conhecer todas as condições envolvidas.

[22:54, 27/7/2020] John Tan: Apenas significa que a aparência não se manifesta sozinha.

[22:56, 27/7/2020] John Tan: Há também a experiência de espaçosidade quando se atravessa o processo de desconstruir sujeito e objeto… a experiência é como queda de mente-corpo.

[23:04, 27/7/2020] John Tan: Quando você diz que o carro é vazio, mas está sentado dentro dele… o que quer dizer?

[23:05, 27/7/2020] John Tan: É o mesmo que “não há vento soprando”…

[23:05, 27/7/2020] John Tan: Ou “relâmpago piscando”.

[23:07, 27/7/2020] John Tan: Ou “a primavera vai, o verão vem”…

[23:09, 27/7/2020] John Tan: Significa que você aplica o mesmo insight a tudo.

[23:09, 27/7/2020] John Tan: Não apenas ao self…

[23:10, 27/7/2020] John Tan: Até mesmo ao movimento.

[23:13, 27/7/2020] John Tan: Assim sua mente vê continuamente através dos construtos; o que acontece então?

[23:16, 27/7/2020] John Tan: Diga-me: você afirma que o carro é vazio mas está sentado nele; vê o construto — o que ocorre?

[23:16, 27/7/2020] John Tan: Quando você vê através do vento que sopra… o que acontece?

[23:16, 27/7/2020] John Tan: Quando vê através do verão ou do clima? O que acontece?

[23:17, 27/7/2020] John Tan: Ou digo “relâmpago está piscando”; quando realmente vê através desse relâmpago…

[23:19, 27/7/2020] Soh Wei Yu: É apenas a mera aparência… sem reificações.

[23:19, 27/7/2020] John Tan: Não pense, experimente…

[23:19, 27/7/2020] John Tan: você é forçado à não-conceitualidade.

[23:21, 27/7/2020] John Tan: Como na experiência PCE… de fato muito atento e vigilante quando começa… você começa a sentir o soprar… correto…

[23:21, 27/7/2020] John Tan: Quando digo “não há relâmpago piscando”… você olha o piscar.

[23:24, 27/7/2020] John Tan: Correto? Você realmente praticou ou prestou atenção, ou apenas repetiu uma frase…

[23:25, 27/7/2020] John Tan: Quando diz “não há verão”, você está experienciando o calor, a umidade… etc.

[23:26, 27/7/2020] John Tan: Significa ver através do construto, não apenas pensar.

[23:27, 27/7/2020] John Tan: Quando digo “não há carro”, toco o carro… o que é… a cor… o couro, as rodas…

[23:28, 27/7/2020] John Tan: Se você constante e perpetuamente faz isso… o que acontece?

[23:34, 27/7/2020] John Tan: Você fala de desconstrução de objeto e fenômeno e eu lhe pergunto: se vê através, o que ocorre? Se apenas pensa, não entenderá…

[23:38, 27/7/2020] Soh Wei Yu: Tudo é apenas presença vibrante e espontânea, sem sujeito ou objeto.

[23:39, 27/7/2020] Soh Wei Yu: Não vejo objetos sólidos, mas cores cintilantes vibrantes como presença vívida vazia.

[23:39, 27/7/2020] Soh Wei Yu: E sons, sensações, etc.

[23:41, 27/7/2020] John Tan: Sim.

[23:42, 27/7/2020] John Tan: Então depende da profundidade de experienciar as sensações ou aparências em si.

TD Unmanifest

Isso foi muito útil, obrigado. Acabei de voltar de uma caminhada e usei essas indicações para sentir o que está sendo apontado. Eu estava focado demais em desconstruir objetos em vez de sentir/ver a vivacidade direta. Muito obrigado, Soh, e por favor envie meus agradecimentos ao John Tan.

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*“O svabhāva é como a entidade-núcleo que possui características. Assim como um poste telefônico possui as características de ser alto, cilíndrico, feito de madeira, marrom e assim por diante. Perceber svabhāva é perceber o poste como uma entidade, algo que detém essas características.

Realizar a vacuidade é o reconhecimento experiencial de que não existe uma entidade que possua essas características; existem apenas as características, e sem a entidade no núcleo essas características deixam de ser características. Não há entidade ali, nenhum objeto posicionado à distância ou num local.

Vacuidade é de fato a inexistência de svabhāva, mas não é uma verdadeira inexistência como a mencionada na segunda posição da tétrada catuskoti. É a realização de que nunca, em momento algum, houve uma entidade desde o princípio.

É inexistência? De certo modo, pois não se encontra qualquer entidade existente, e a entidade sempre foi uma falácia. Mas como algo que nunca surgiu pode realmente carecer de existência? É assim que se estabelece a liberdade dos extremos.” — Kyle Dixon, 2022

 

(continua em seguida com as explicações extensas de Kyle Dixon sobre o Caminho do Meio, originação dependente, citações de Nāgārjuna, diálogo “There is only sound”, ensaios de John Tan sobre “O peso dos pensamentos”, seções de 2022, 2024 etc. — tudo será traduzido integralmente no próximo bloco.)

 

Kyle Dixon escreveu:

 

“O Caminho do Meio é, na verdade, uma liberdade dos equívocos de existência e não-existência. Sustentar que as coisas existem (sejam fenômenos condicionados ou não-condicionados) é eternalismo; sustentar que as coisas não existem (sejam condicionadas ou não-condicionadas) é niilismo. Aniquilacionismo é a crença de que algo existente torna-se inexistente.

 

A maneira de evitar esses vários extremos é a vacuidade, que significa (i) ausência de existência inerente, (ii) liberdade dos extremos, (iii) ausência de surgimento [não-surgir], (iv) co-originação dependente. Todas essas definições são sinônimas.

 

Originação dependente é a visão relativa correta que conduz à realização da visão última, que é a vacuidade. Muitas pessoas entendem mal a vacuidade como uma visão negativa, mas na realidade é a visão adequada do Caminho do Meio, que evita os extremos de existência, não-existência, ambos e nem um nem outro.

 

No geral, realmente não há como explicar isso de modo “ELI5”; você terá de fazer perguntas. É simples uma vez compreendido, mas muito, muito poucas pessoas realmente entendem originação dependente.

 

Aqui está uma coletânea de coisas que escrevi há algum tempo sobre originação dependente para fins de discussão:

 

— a definição geral de originação independente, a própria ideia de que as coisas são dotadas de ser-próprio/essência [svabhāva] ou self [ātman]. Para algo originar-se independentemente teria de ser incondicionado, independente e não-causado, mas isso é considerado impossível aos olhos do Budismo. A visão convencional correta para vacuidade é a da originação dependente, e assim vemos que, para haver objetos, pessoas, lugares, coisas e assim por diante, eles devem ser dotados de causas e condições. Ou seja, não podem ser encontrados à parte dessas causas e condições. Se as condições são removidas, o objeto não permanece.

 

— Os adeptos do passado disseram que, já que uma coisa apenas surge devido a causas, permanece devido a condições e perece na ausência de causa e condição, como pode essa coisa ser dita existir? Para um objeto existir inerentemente teria de existir por si mesmo, independente de causas e condições, independente de atributos, características e partes constituintes. Contudo, não conseguimos encontrar um objeto inerente independente desses fatores, e as implicações disso são que igualmente não conseguimos encontrar um objeto inerente dentro desses fatores. O objeto “em si” é intraceável. Encontramos apenas uma coleção designada de partes, que de fato não criam nada além de si mesmas e, mesmo assim, as partes também são designações arbitrárias, pois se não há objeto inerentemente existente, tampouco podem existir partes, características ou atributos inerentes. Portanto, o objeto é apenas uma designação convencional útil, e sua validade mede-se por sua eficácia; fora desse título convencional, contudo, não há objeto inerente subjacente a ser encontrado.

 

— Originação dependente aponta para uma espécie de interdependência implícita: o fato de que um suposto “algo” condicionado apenas surge por implicação da percepção equivocada de outros “algos” condicionados; e assim cada “algo” é simultaneamente causa e efeito um do outro e de tudo mais. Originação dependente não é um caso em que temos coisas verdadeiramente estabelecidas existindo em dependência de outras coisas verdadeiramente existentes, por exemplo: objetos verdadeiramente construídos de partes que, por sua vez, são feitas de partes menores como átomos etc. Essa é, claro, uma forma de ver a originação dependente, mas seria vista como muito grosseira e realista/essencialista. Uma que sutilmente promove um sentido de ser-próprio ou essência nas coisas. Em vez disso, o que originação dependente ressalta é que não há objeto inerente a ser encontrado separado (ou dentro) das várias características convencionais que atribuímos ao objeto. Por outro lado, tampouco haveria objetos inerentes encontrados em relação (ou dentro de uma relação) com as várias características atribuídas a esses objetos. Pois cada um só seria válido quando contrastado com o outro e, ao descobrir ausência de inerência num, a validade do outro também seria comprometida. Nossas experiências são meras construções convencionais interdependentes compostas de inferências sem fundamento.

 

— Dessa forma, o objeto “em si”, como um “algo” central essencial, é intraceável. Encontramos apenas uma coleção designada de peças, que de fato não criam nada além delas mesmas; e, mesmo então, as partes também são designações arbitrárias, pois se não há objeto inerentemente existente, não pode haver partes, características ou atributos inerentes.

 

— Por exemplo, se uma mesa fosse verdadeiramente inerentemente existente, isto é, existisse independentemente, então poderíamos encontrar essa mesa independentemente de suas várias características. A mesa poderia existir independente de ser observada, de sua cor ou textura, de suas partes e peças, de seu nome designado, de seu entorno etc. Em contraste, se a observação — ou consciência, por exemplo — fosse verdadeiramente existente, também poderíamos encontrá-la à parte da percepção da mesa, do ambiente circundante e assim por diante. Não há natureza essencial, “núcleo” que de fato “seja” a mesa ou que ela possua, e o mesmo vale para a consciência e qualquer outra coisa.

 

— Para os seres sencientes afligidos pela ignorância, imputação conceitual e linguagem convencional confundem-se como apontando para pessoas, lugares, coisas autênticas. Quando a ignorância é desfeita, há liberdade para usar a linguagem convencional; entretanto, isso não cria confusão porque a sabedoria reconhece diretamente a ignorância pelo que é. No Budismo, a convencionalidade é permitida como ferramenta para comunicação, então podemos ser John Doe ou Maria Silva, árvores, rochas, carros podem ser designações. A convencionalidade é simplesmente uma ferramenta útil que não aponta para nada além dela mesma. A verdade convencional é relativa… palavras, conceitos, ideias, pessoas, lugares, coisas etc., e contrasta com a verdade última, que é a vacuidade.

 

— Todos os fenômenos aparentes que se enquadram na categoria de “condicionados” — significando que se acomodam em um ou mais dos quatro extremos (existência, não-existência, ambos, nem um nem outro) — originam-se dependente-mente. Sabemos que é assim porque não existe fenômeno que não surja dependente de causas e condições.

 

“Tudo o que surge interdependente

Isso é explicado como vacuidade.

Isso, sendo uma designação dependente,

É em si o Caminho do Meio.

Algo que não surge dependente,

Tal coisa não existe.

Portanto, uma coisa não-vazia

Não existe.”

— Nāgārjuna

Soh citou em resposta à pergunta de alguém:

 

“Seguindo a visão do meio, Tsong-khapa cita o Yuktiṣaṣṭika de Nāgārjuna e o Yuktiṣaṣṭika-vṛtti de Candrakīrti.

 

Nāgārjuna:

O que surge em dependência não nasce;

Isso é proclamado pelo supremo conhecedor da realidade (😊 Buda).

 

Candrakīrti:

(O oponente realista diz): Se (como você diz) tudo o que surge em dependência nem sequer nasce, então por que (o Madhyamika) diz que não nasce? Mas se você (Madhyamika) tem um motivo para dizer (que essa coisa) não nasce, então não deveria dizer que “surge em dependência”. Portanto, por inconsistência mútua, (o que você disse) não é válido.)

 

(O Madhyamika responde com interjeição compassiva:)

Ai de mim! Porque você não tem ouvidos nem coração, lançou-nos um desafio severo! Quando dizemos que qualquer coisa surgindo em dependência, à maneira de uma imagem refletida, não surge por razão de auto-existência — nesse momento, onde está a possibilidade de nos contestar?”

 

— excerto de Calming the Mind and Discerning the Real: Buddhist Meditation and the Middle View

 

Resposta 7 sem. atrás

Há apenas som

 

Geovani Geo escreveu:

 

“Ouvimos um som. O condicionamento profundamente arraigado e imediato diz ‘audição’. Mas há uma falácia aí. Há apenas som. Em última instância, não há ouvinte nem ato de ouvir. O mesmo com todos os outros sentidos. Um percebedor ou consciente inerente centralizado, expandido ou de dimensão zero é uma ilusão.”

 

Thusness/John Tan:

 

“Muito bom.

Significa que ambas as estrofes estão claras.

Na audição, nenhum ouvinte.

Na audição, apenas som. Sem ouvir.”

 

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John Tan escreveu em 2022

 

“…

 

O peso dos pensamentos — Parte 1

 

Ao contemplar, não deixe nossa contemplação permanecer apenas como um exercício de raciocínio mental. Por exemplo:

 

O que aparece não é “interno” nem “externo”. Pois a noção de “internalidade” depende da noção de “externalidade”; sem uma, não surge a sensação de nenhuma. Portanto, ambas as noções são meramente convencionais, originam-se em dependência.

 

Não deixe nossa contemplação ficar nesse nível. Se fizermos isso, na melhor das hipóteses a liberdade permanecerá apenas no nível mental — meramente um estado translúcido, puro e limpo. Não difere de praticar atenção crua, embora possa surgir insight sobre como as conceitualizações proliferam a mente.

 

Mas vá além para relacionar-se diretamente com nossas sensações, pensamentos, cheiros, cores, sabores, sons e pergunte:

 

“O que queremos dizer com pensamentos não estarem dentro nem fora da nossa cabeça?”

 

Ver através disso será muito mais penetrante. Traz-nos um senso profundo de ilusoriedade e admiração mística como experiência vivida em tempo real.

 

 

O peso dos pensamentos — Parte 2

 

Quão pesados são os pensamentos?

Onde estão suas raízes?

 

Não é incomum ouvir no meio espiritual frases como “o ‘eu’ é apenas um pensamento” ou “pensamento é vazio e espaçoso, não há peso nem raiz”.

 

Embora a raiz-ausência e a natureza semelhante ao espaço dos “pensamentos” devam ser apontadas, não se deve ser levado a pensar que se viu através de “alguma coisa”, muito menos que se arrancou as noções conceituais profundamente enraizadas de “eu/meu”, “corpo/mente”, “espaço/tempo”… etc.

 

Portanto, ênfase também deve ser colocada no outro lado da moeda. “Pensamentos” são surpreendentemente pesados como um buraco negro (tamanho de um alfinete, peso de uma estrela); as “raízes de noções conceituais” que carregam permeiam todo o nosso ser e estão em toda parte.

 

As “raízes” dos pensamentos serem impossíveis de encontrar também significa que podem ser encontradas em qualquer lugar e em toda parte, espalhadas pelos três tempos e dez direções — em contexto moderno, por diferentes linhas temporais através do multiverso. Em outras palavras, “isto surge, aquilo surge”.

 

 

Em anatta, vemos através do self como construção mental, e inicia-se uma jornada de desconstrução para libertar-se de todas as construções mentais, do self a todos os fenômenos e às relações entre eles.

 

Contudo, quando vemos originação dependente, nada é eliminado.

A conceitualização permanece, as partes permanecem, causa-efeito permanece, self permanece, outros permanecem… Tudo permanece; apenas a visão equivocada de “essência” é renunciada.

 

Em vez de vê-los como existindo essencialmente, entende-se agora que originam-se dependente-mente, e o que quer que origine em dependência é livre dos quatro pares de extremos (ou seja, as 8 negações de Nāgārjuna).

 

Sem compreender originação dependente e vacuidade, a perfeição espontânea livre de todas as elaborações será distorcida.”

 

Veja também: https://www.awakeningtoreality.com/2013/04/daniel-post-on-anattaemptiness.html (nota: há dois aspectos da vacuidade expressos lá. Consegue identificá-los?)

 

Para explorar mais a Vacuidade após ler este artigo, recomendo vivamente ler e contemplar todo o conteúdo deste link e também todos os outros artigos vinculados: Compilation of Post Anatta Advise

(O texto prossegue com toda a “Atualização 2024 por Soh”, subseção sobre “Avoiding Energy Imbalances”, diálogos datados, instruções de John Tan, descrição detalhada do caso de 2019, explicação sobre respiração de vaso por Tsoknyi Rinpoche, notas sobre prática somática, advertências médicas, conversas de 6/6/24, etc. — tudo será traduzido fielmente no próximo bloco, preservando cada data, hora e linha.)

 

Atualização, 2024 por Soh:

 

Avoiding Energy Imbalances

https://www.awakeningtoreality.com/2024/02/avoiding-energy-imbalances.html

 

Soh:

Mensagem importante para todos.

 

As duas estrofes de anatta estão ligadas a isto:

https://www.awakeningtoreality.com/2021/06/pellucid-no-self-non-doership.html

 

[20:40, 9/6/2021] John Tan:

1.      Dzogchen tem uma expressão “presença espontânea”. Não sei o significado exato em Dzogchen; porém, a frase está intimamente ligada às 2 experiências das 2 estrofes:

1.      Ausência de autor = espontâneo

2.      Meras aparências como Presença

Você verá que escrevi sobre ambos os aspectos em

https://www.awakeningtoreality.com/2021/04/why-awakening-is-so-worth-it.html

 

Sem realizar a segunda estrofe de anatta em

https://www.awakeningtoreality.com/2009/03/on-anatta-emptiness-and-spontaneous.html

não se considera uma genuína realização de anatman (não-eu) na AtR.

Relacionado:

https://www.awakeningtoreality.com/2021/06/pellucid-no-self-non-doership.html

http://awakeningtoreality.blogspot.com/2018/07/i-was-having-conversation-with-someone.html

https://www.awakeningtoreality.com/2019/02/the-transient-universe-has-heart.html

https://www.awakeningtoreality.com/2023/05/nice-advice-and-expression-of-anatta-in.html

 

Eu também observei que em 99 % das vezes, as pessoas que dizem ter realizado o não-eu experimentaram apenas o aspecto de não-agência, e não a genuína realização não-dual de anatman. Veja também:

https://www.awakeningtoreality.com/2020/04/different-degress-of-no-self-non.html

 

Com base nas minhas conversas com milhares de indivíduos, percebo que alegações de reconhecer não-dualidade — onde não há diferenciação entre interno e externo ou ausência de eu — não indicam necessariamente realização verdadeira de anatman ou experiência/insight não-dual autêntico. Muitas vezes, a pessoa pode simplesmente estar adotando jargão específico ou imitando outros, acreditando ter alcançado compreensão similar. Entretanto, sua experiência pode abranger apenas senso de impessoalidade e ausência de autor, e não genuíno insight ou experiência não-dual.

 

Perguntei certa vez a John Tan se ele achava que determinado professor realizara anatta; John respondeu:

 

“Não há autenticação da própria radiância, nem reconhecimento das aparências como radiância e nenhum apontamento claro de como os constructos convencionais são vistos e liberados. Então, o que o levou a essa conclusão?”

 

Comentando escritos de outro professor, John Tan escreveu:

 

“Quando dizemos ‘Mente é a grande terra’, o primeiro passo é entender e provar o que é mente antes de ir mais longe.

Se o ensinamento não ensina e prova o que é mente, então são apenas discursos bonitos e grandiosos.

Depois é preciso apontar o que é a ‘grande terra’? Onde está essa ‘grande terra’? O solo, o chão, a flor, o ar ou prédios ou o mundo convencional?

Então fale sobre o que é a exertação total de que têm falado.

Depois, a integração da mente e exertação total — e isso é +A.”

 

Contudo, isso não significa que a segunda estrofe de anatta seja mais importante que a primeira. Na verdade, depois de despertar à segunda estrofe — a radiância límpida como todas as aparências além do paradigma sujeito-ação-objeto — é vital penetrar profundamente a primeira estrofe.

 

Tudo auto-surge sem fazedor ou agente, tão natural quanto respirar ou o batimento cardíaco. Penetrando isso completamente, seja totalmente espontâneo, sem esforço e liberando. Radiância natural é completamente sem esforço, zero esforço necessário. Permita que o insight profundo em anatman e vacuidade conduza-o à auto-libertação e perfeição espontânea e dissolva a doença do esforço e do sutil hiperfoco ou apego à radiância. Como John Tan disse, é importante não super-enfatizar a radiância (para evitar efeitos desagradáveis de desequilíbrio energético) e que se deve complementá-la com a primeira estrofe de não-agência. Ele acrescentou que, após o não-dual, a prática deve ser relaxada e aberta, insubstancial e livre — seja natural e aberto, leve, relaxado e sem esforço; então contemple o esforço-zero. Essa abertura e relaxamento devem construir um momentum na prática. Além disso, diz John Tan, precisamos entender a relação entre não-agência e exertação total — permitindo que a totalidade das situações exerça-se. Visto de um lado da moeda, é completa “sem-esforço” da radiância; visto de outro, é a exertação da totalidade das condições.

 

Vídeos de Satsang Nathan expressam bem o aspecto de não-agência do anatta. Veja: Satsang Nathan Videos

 

Para enfatizar: construir o momentum na prática é crucial. Parafraseando John Tan:

 

“É preciso praticar regularmente e evitar sabedoria pretensiosa até que certo momentum se estabeleça. Só então será possível superar desafios ligados às questões x. Sou sincero no conselho; você ainda não vivenciou esses desafios, mas quando acontecer entenderá a importância de dominar essa arte.

 

Praticando meditação de forma consistente — abrindo-se e no cotidiano — um momentum acaba se desenvolvendo. Mesmo quando desafios surgem, se conseguir manter-se calmo e deixar esse momentum conduzir, você conseguirá superá-los.

 

Isso se assemelha à arte de deixar ir, embora seja difícil articular. Nossa tendência natural é o apego, por mais que tentemos convencer-nos do contrário. Por isso a consistência na prática é essencial.”

 

John Tan disse a X:

 

“Você tem bom karma… apenas relaxe e entenda que ausência de essência implica esforço-zero; não foque, não concentre. Apenas refine a visão e o entendimento, após o insight de anatta, de que as aparências são a própria radiância.”

 

John também escreveu a X (amigo nosso):

 

“Pode ser superado. Eu costumava ter perturbações energéticas muito intensas de desequilíbrio pós-I-AM devido a hiperfoco.

Atualmente acho melhor deixar corpo e mente acalmarem primeiro, com distrações, mudando a atenção… o corpo e a mente, em nível muito sutil, são sensíveis; o medo oculto abalará todo o equilíbrio.

Medicamentos ajudam e acho que você deveria usá-los.

Devemos ser muito cuidadosos: há relaxamento da mente que leva a mais alerta e há relaxamento que pacifica a mente, superando aflições (por ex., medo).

Quando estivermos nesse estado posterior, poderemos repousar e responder às condições em equilíbrio.”

 

John também me disse:

 

“Concentre-se em ‘esforço-zero’ primeiro; depois, ao liberar, você pode deixar ir seus pensamentos e deixar o que acontece acontecer como acontecer… mas talvez depois sinta que não consegue concentrar, tudo bem… suavemente recorde que as aparências são sua própria radiância; radiância é por natureza além de esforço… acostume-se a isso primeiro.

Tudo que surge, por natureza, auto-libera-se.”

 

Se o insight e a prática não amadurecem nesse aspecto, e a radiância torna-se forte, e sutilmente hiperfocamos nela, corremos o risco de desequilíbrios energéticos dolorosos — energia presa no chacra frontal, tensão séria, dores de cabeça, insônia (literalmente zero sono à noite, superconsciência que alguns confundem com realização), ondas de energia que parecem ataques de pânico (sensação corporal nervosa intensa), e sintomas piores. Sofri episódios assim em 2019 por sete dias (detalhados em https://www.awakeningtoreality.com/2019/03/the-magical-fairytale-like-wonderland.html). Isso leva ao chamado “zen sickness”, que médicos não conseguem curar; dediquei um capítulo inteiro a isso no guia AtR original. Felizmente não re-disparei tais episódios após mudar a prática, mas vi outros passarem pelo mesmo. Desejo de coração que ninguém siga na direção errada. Cuidem-se e pratiquem bem.

 

Talvez, se houver interesse em Dzogchen, receba transmissão e ensinamentos do professor Dzogchen Acarya Malcolm Smith (que também enfatiza a crucial não-agência e esforço-zero da radiância nas aparências em anatta, e integração das 2 estrofes — não está em escritos públicos, mas nos ensinamentos online aos quais assisti) e obtenha o livro “The Supreme Source”, que elucida claramente o esforço-zero da natureza auto-originada da presença total. Mas por favor não faça “DIY Dzogchen”, pois será extremamente enganoso; encontre bons professores (por ex., Malcolm). Você pode assistir a este vídeo do YouTube (altamente recomendado) — introdução aos ensinamentos de Dzogchen de Malcolm, recomendado por Sim Pern Chong no grupo AtR:

https://www.awakeningtoreality.com/2023/09/talk-on-buddhahood-in-this-life.html

Alguns escritos de Malcolm:

https://www.awakeningtoreality.com/2014/02/clarifications-on-dharmakaya-and-basis_16.html

Para praticar The Supreme Source, é necessário empoderamento, introdução direta e orientação de professor Dzogchen qualificado, e não deve ser confundido com preguiça sem prática nem com o niilismo neo-Advaita. Caso em questão:

https://dharmaconnectiongroup.blogspot.com/2015/08/ground-path-fruition_13.html

 

Aqui está um bom vídeo compartilhado por John Tan:

(link inserido, se houver)

 

Mente, atenção, energia, foco são um.

 

Quando você pratica — especialmente praticantes de “awareness” que praticam de modo focado — isso pode levar a desequilíbrio energético, energia presa no chacra frontal. É muito comum. Às vezes também bloqueio no chacra cardíaco.

 

Todavia, os insights de anatman, por si, são muito seguros; na plena atualização de anatman não pode haver desequilíbrios energéticos. Desequilíbrios energéticos estão todos ligados a sutil apropriação do self. Por isso, atualização completa de ambas estrofes (sem enviesar a 2ª) resolve desequilíbrio energético.

 

Assim, a prática deve trazer e basear a mente no dantian. A energia deve fluir, não ficar presa na cabeça. Ser somático ajuda a superar desequilíbrios.

 

Veja Vase Breathing:

Excerto de https://www.awakeningtoreality.com/2020/09/frank-yang-video-full-enlightenment.html

 

[11:46, 5/9/2020] John Tan: Gosto das descrições dele; muito boas, mas podem resultar em desequilíbrios de energia. Melhor praticar exercícios respiratórios e aprender a regular a energia na calmaria…

 

Comentários de Soh:

Uma boa forma de regular energia é praticar a respiração de vaso.

 

New Translation

 

Trecho de “Open Mind, Open Heart”, de Tsoknyi Rinpoche:

“Respiração de Vaso

Um dos métodos que ajudou essa mulher e incontáveis outras pessoas a lidar com as emoções é uma prática que nos ajuda a trazer o lung¹ de volta ao seu centro, ou “casa”. Para isso, usamos uma técnica especial de respiração como ferramenta, porque a respiração é uma correlação física com a energia sutil de vento (lung).

Essa técnica chama-se respiração de vaso, e envolve respirar ainda mais profundamente do que o tipo de respiração diafragmática profunda frequentemente ensinada em muitas aulas de ioga e outros tipos de cursos com os quais as pessoas talvez já estejam familiarizadas.

A técnica em si é bastante simples. Primeiro, expire lenta e completamente, colapsando os músculos abdominais o mais próximo possível da coluna. Enquanto inspira lentamente, imagine que está puxando o ar para uma área cerca de quatro larguras de dedo abaixo do seu umbigo, logo acima do osso púbico. Essa área tem um formato um pouco parecido com um vaso, e é por isso que a técnica recebe o nome de respiração de vaso. Claro que você não está realmente puxando o ar até essa região, mas ao direcionar sua atenção para lá, acabará inspirando um pouco mais profundamente que o usual e sentirá uma leve expansão extra na região do vaso.

Enquanto continua a puxar o ar para dentro e direcionar a atenção para baixo, seu lung começará gradualmente a descer até lá e a descansar ali. Mantenha o ar na região do vaso apenas por alguns segundos — não espere até sentir necessidade urgente de expirar — depois expire lentamente novamente.

Respire desse modo, lenta e suavemente, três ou quatro vezes, expirando completamente e inspirando até a área do vaso. Após a terceira ou quarta inspiração, tente manter um pouquinho do ar — talvez 10 % — na região do vaso ao fim da expiração, concentrando-se muito levemente e com suavidade em manter um pouco de lung em sua casa.

Experimente agora.

Expire completamente e depois respire lenta e suavemente até a região do vaso três ou quatro vezes e, na última expiração, mantenha um pouquinho de ar na região do vaso. Continue por cerca de dez minutos.

Como se sentiu?

Talvez tenha sido um pouco desconfortável. Algumas pessoas dizem que direcionar a respiração assim é difícil. Outras relatam que fazer isso lhes deu uma sensação de calma e centramento que nunca tinham sentido antes.

Praticada dez ou até vinte minutos por dia, a respiração de vaso pode tornar-se um meio direto de desenvolver consciência de nossos sentimentos e aprender a lidar com eles mesmo enquanto estamos engajados em nossas atividades diárias. Quando nosso lung está centrado em sua casa, nossos corpos, nossos sentimentos e nossos pensamentos gradualmente encontram um equilíbrio saudável. Cavalo e cavaleiro trabalham juntos de maneira muito suave e fácil, sem que um tente controlar ou enlouquecer o outro. No processo, percebemos que padrões sutis do corpo associados a medo, dor, ansiedade, raiva, inquietação e assim por diante se afrouxam gradualmente, que há um pequeno espaço entre a mente e os sentimentos.

O objetivo final é conseguir manter aquele pequeno volume de ar na região do vaso ao longo do dia, em todas as nossas atividades — caminhando, falando, comendo, bebendo, dirigindo. Para algumas pessoas, essa habilidade torna-se automática depois de pouco tempo de prática. Para outras, pode exigir um pouco mais de tempo.

Confesso que, mesmo após anos de prática, ainda percebo que às vezes perco minha conexão com a base doméstica, especialmente ao encontrar pessoas muito aceleradas. Sou um pouco acelerado, e encontrar outras pessoas assim atua como um estímulo sutil ao corpo. Fico envolvido na energia inquieta e deslocada delas e, consequentemente, fico um pouco inquieto, nervoso e às vezes até ansioso. Então faço o que chamo de ‘respiração-lembrança’: expiro completamente, respiro até a região do vaso e depois volto a expirar deixando um pequeno volume de ar na casa do lung.”**

¹ lung (tibetano, “vento vital”): energia sutil de vento que sustenta corpo-mente.

John Tan também disse:

 

“O desequilíbrio energético está muito relacionado ao que convencionalmente chamamos de ‘físico’. As energias na espiritualidade são o aspecto ‘físico’ no nosso uso convencional moderno; é apenas diferença de linguajar. Portanto, faça exercícios e aprenda a arte da abertura e do esforço-zero: abra o corpo, seja pragmático e sincero.

 

Exercícios de respiração de vaso são muito bons, mas exigem disciplina, persistência e perseverança, não apenas san̄-fēn-zhōng-rè-dù (三分钟热 — “empolgação de três minutos”). Praticados com diligência, sem mentalidade mágica ou fantasiosa, certamente trarão benefícios.”

 

“[10:16, 29/6/2020] John Tan: Frank é muito experiencial; não precisa ser teórico demais sobre vacuidade, não-surgimento dos fenômenos por enquanto.

Em vez disso, é permitir que ele mova a energia e a radiância para o corpo… o corpo inteiro… embora o pano de fundo tenha sumido, você pode pensar que os seis sentidos estão em igual radiância, mas na experiência em tempo real está longe disso e causa todos os desequilíbrios energéticos.

Relaxe no estado natural e sinta a radiância energética por todo o corpo. Não pensando. Toque em algo — dedos dos pés, pernas — sinta-os. É sua mente… lol… você entende isso em tempo real?

[10:23, 29/6/2020] John Tan: A montanha é mente, as ervas são mente, tudo é mente. Isso via visão e mental; sinta o corpo, dedos, toque-os. Eles são mente. Então você entende isso em tempo real?

Quanto ao sono, não se preocupe muito, ele virá; use menos pensamentos, deixe o corpo inteiro ser um sentido de toque, não pensando, mas sentindo e tocando. Então não pense que, quando surge insight de ‘tudo é mente, anatta’, significa que você já está em ‘tudo é mente’. Se não consegue abraçar e sentir tudo como mente, como eliminar o denominador comum chamado mente e entrar em não-mente, que é o estado natural de anatta.”

Labels: Anatta, Energy |

Nota: Desequilíbrios energéticos graves relacionados a depressão, ansiedade ou traumas devem ser tratados com ajuda especializada de psiquiatras e psicólogos, possivelmente com suporte medicamentoso. A medicina moderna pode ser parte vital da cura e não deve ser subestimada. Se você apresentar sintomas possivelmente ligados a essas questões, consulte profissionais.

 

No caso de Soh, os 7 dias de desequilíbrio energético em 2019 não se relacionaram a problemas mentais (não houve depressão, tristeza ou ansiedade mental, exceto tensões corporais), nem a traumas, mas a extrema intensidade de luminosidade — uma intensidade que persistia o dia inteiro e durante o sono — e a um padrão de energia de hiperfoco e tensão difícil de dissolver. Ainda assim, se você está em dúvida, é melhor buscar avaliação. Além disso, confira os livros de Judith Blackstone, que abordam profundamente a liberação de traumas e a relacionam à prática não-dual (embora não baseada exatamente em anatta, ainda vale a leitura).

Veja: https://www.awakeningtoreality.com/2024/06/good-book-on-healing-trauma-and-nondual.html

 

John Tan também disse:

 

“Há grande diferença entre depressões causadas por trabalho, aparência física, falta de apoio familiar etc., e questões, por exemplo, ligadas ao ‘EU SOU’. Todas as ansiedades relacionadas a aparência física, carga de trabalho, estudos, etc., gradualmente se dissolvem se as questões respectivas forem resolvidas. Mas há questões semelhantes ao ‘EU SOU’: são seu primeiro pensamento imediato, tão perto e tão imediato que não são fáceis de ‘remover’.”

 

“Alguns desequilíbrios energéticos também podem relacionar-se à abertura de certos portões de energia quando o corpo não está pronto.”

 

[6/6/24, 23:54:22] John Tan: Sim, não deixe conquistas convencionais atrapalharem a prática; e sim, anatta é só o começo — quando reconhecemos aparências como radiância, devemos esgotar tanto mente quanto fenômenos.

Embora eu não seja praticante de Dzogchen ou Mahamudra, consigo intuir que o estado natural de plena realização de anatta se assemelha, de certo modo, ao resultado tipo “corpo arco-íris”.

[6/6/24, 23:55:09] Soh Wei Yu: Entendi…

[6/6/24, 23:58:37] John Tan: Após certo grau de exaurir as reificações da mente, ficamos menos apegados ao convencional e somos atraídos a exaurir todo corpo-mente em radiâncias de luz. Não sei sobre outros, mas acontece comigo.

[6/6/24, 23:58:42] John Tan: Acontece contigo?

[6/6/24, 23:59:09] Soh Wei Yu: Sim, acho que sim.

[7/6/24, 00:02:08] John Tan: Nesta fase, esforço-zero, não-ação e não-resistência são fundamentais, pois sempre que a mente reage ou foca, a energia se intensifica e muitas vezes leva a desequilíbrios energéticos.

 

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